15 dezembro 2009

Um Gosto de Sol

(Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)

(...)
Alguém sorriu de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou o riso que eu tinha
E esqueci entre os dentes
Como uma pêra se esquece
Sonhando uma fruteira


Na letra original, esse último verso é "Sonhando numa fruteira". Mas eu achei essa mudança fundamental. Nessa minha versão, a pêra está fora da fruteira, apartada de seu lar. O poeta também está em um ambiente estranho e o conforto de um sorriso qualquer lhe faz lembrar o conforto de estar em casa.

Eu sei, estou sendo atrevido. Palavra nenhuma deveria fazer frente com versos assim.


Okay, talvez isso também não seja uma fruteira. Mas se fosse uma daquelas fruteiras de metal com três andares de gavetinhas e rodinhas, a pera não sentiria saudade alguma, aposto.

11 dezembro 2009

Os Dez Discos de Rock da Década

Eu sou vivo, estou no mundo e não sou surdo. Isso já me parece o bastante para eu enumerar meus discos preferidos. As listas estão em todo lugar e eu, também sendo filho de Deus, resolvi fazer a minha.

Sei que se tivesse acompanhado mais de perto - ao invés de estar sempre mais interessado em música velha -, essa lista seria diferente em uns três ou quatro nomes. Por isso, trata-se do que eu melhor pude digerir contemporaneamente.

A ordem pode ser considerada, mas sem muito rigor. Aí vão os dez discos de rock lançados entre 2000 e 2009 dos quais mais gostei.

10. Mogwai. Mr Beast
9. Cat Power. You Are Free
8. Arcade Fire. Neon Bible
7. Coldplay. Parachutes
6. M83. Saturdays = Youth
5. PJ Harvey. Stories from the City, Stories from the Sea
4. Silverchair. Diorama
3. Radiohead. Kid A
2. Queens of the Stone Age. Songs for the Deaf
1. Wilco. Yankee Hotel Foxtrot

Ps.: Eu comecei a escrever sobre cada um e desisti quando cheguei no Coldplay. Não conheço dez maneiras diferentes de dizer que "eu gosto porque é bonito". Também achei que seria tedioso comentar sobre os aspectos técnicos dos discos. Poderia, ainda, contar algo bonito sobre como os conheci e como me apaixonei, mas sete deles eu apenas baixei na Internet, dentro de uma sala iluminada com uma lâmpada fosforescente e coberta com piso de cerâmica.

07 dezembro 2009

Reflexão sobre o Sonho

Durante um sonho, eu já presenciei um momento de surpresa. É como você sentir a presença de uma entidade invisível e quando olha atrás da porta, surpreende-se em encontrar uma outra coisa.

Eu não entendo. Mas vou esmiuçar a encrenca em que me envolvi.

A primeira hipótese é que, enquanto um sonho se desenrola, ele não recebe influências do meio externo. Se isso for correto, eu jamais poderia, durante um sono, sonhar um garfo se ao longo de toda minha vida anterior a esse sono eu nunca tivesse tido contato com a ideia de um garfo. Dessa forma, sonhar seria como partir a uma viagem com uma mala lacrada, contendo nela todas suas experiências de vida.

A segunda hipótese é que o sonhador, o "eu" do sonho, é detentor do mesmo intelecto que a entidade que produz o ambiente do sonho. Ou seja, o viajante e tudo que está dentro da mala são, na verdade, posições diferentes assumidas por um mesmo intelecto. Se assim for, o sonhador é, ao mesmo tempo, personagem e roteirista. Isso explicaria, por exemplo, por que eu posso sonhar com o diabo sem que ele se me afigure. O roteirista escreve "diabo" e, não tendo o roteirista mais informações que o personagem - pois eles são o mesmo -, o personagem sente "diabo", sem que a figura demoníaca necessariamente se lhe afigure aos olhos.

Para muitos, a primeira hipótese talvez seja precipitada. Afinal ela impossibilitaria casos de premonições. Mas eu a assumiria por não acreditar nesses casos que as pessoas e a ficção contam.

A autenticidade da primeira hipótese depende de minha crença - admito -, mas a da segunda pode ser confirmada pelos sonhos lúcidos, nos quais você manipula o que acontecerá no ambiente.

Se eu assumo essas duas, fico sem a seguinte resposta: como explicar o fato do personagem viver um detalhe que faltou ao roteirista e ainda sentir-se surpreso com isso?

30 novembro 2009

Reflexão sobre a Vida

No trilho inferior do box de correr do banheiro do apartamento onde moro... Tudo bem, o que tem? Tem a inspiração para esse meu texto.

O que acontece é que tenho que, no mínimo, mensalmente, flambar o tal trilho. Diria, aliás, esterilizar com fogo mesmo. De algum lugar, aparecem criaturas tão milimétricas quanto asquerosas cuja classificação taxonômica extrapolam meu conhecimento. Como Catoplebas pode ser que elas sobrevivam ao fogo e insistam em construir uma civilização justo lá?

A vida é podre. Ela brota vigorosa em qualquer lugar, na madeira podre ou nas fendas de concreto.

A vida é podre e asquerosa. Cada bicho só se levanta na insistência bestial e musculosa de viver.

A vida é podre, asquerosa e escrota.

26 novembro 2009

Dor de Dente

Havia muitas pessoas no ônibus. Mesmo tendo de ficar de pé, eu já estaria satisfeito só em poder me apoiar em um cano enquanto pensava coisas ruins sobre as pessoas que, junto comigo, enchiam o tal ônibus.

Por sacanagem do acaso ou por inércia - ainda não sei -, o automóvel desacelera e eu sou levado a pisar (o sapato que vestia) o pé de um passageiro. Do alto de minha jovialidade e irreverência, peço-lhe perdão a meu modo: Foi mal!. A resposta veio automática e sem hesitação: Foi mau mesmo.

Não narro para pontuar a incoerência gramatical de recorrer à polissemia entre advérbio e adjetivo (mal com l e mau com u, respectivamente) de que se valeu a garbosa resposta de meu interlocutor. É só porque sua amargura foi corajosa e excêntrica e eu acho notável quem leva a sério suas excentricidades.

Talvez ele sofra de gastrite. Ou talvez ele apenas seja um desses tão ditos curitibocas, cuja neurastenia lhes é porta-bandeira.

Preconceito por preconceito, quem disse que o mineiro só é solidário no câncer, possivelmente não conhecia o curitibano.

15 novembro 2009

Cinco Discos que Comprei pela Capa

Gastei metade de minha adolescência agachado ou debruçado sobre prateleiras dos sebos de Maringá. Sempre procurei conhecer o status daquilo que comprava, fossem discos ou revistinhas pornográficas. A mania de querer saber o nome de tudo, infelizmente, venceu o hábito de escolher um filme ou um livro pela sinopse, por exemplo.

Os sebos de Maringá são abarrotados de discos de vinil a preço de Milkybar, uma boa aos que amiúde acham aborrecida essa impalpabilidade da música comprimida. E foi isso que possibilitou essa minha lista de exceções - as capas são grandes e gostosas de olhar; ganham os olhos e depois o coração. Risos.

Então aí vai o meu top five de capas de LPs que me seduziram.

1. The Wake. Here Comes Everybody (1985)

É um sei-lá geométrico dum tal de El Lissitzky. Eu nunca sequer ouvira falar dessa banda escocesa, mas lucrei um disco post-punk legalzinho e ainda descobri o que era o construtivismo russo.

2. Lloyd Cole and the Commotions. Mainstrem (1987)

O olhar sofrido do rapaz boa-pinta me fez imaginar que se tratava de um discípulo do grande Leonard Cohen ou um outro Ian Curtis, vocalista suicida do Joy Division. E acho que não errei muito feio: essa banda, também escocesa, é um pouco folk e um pouco rock alternativo e chama a atenção pelo esforço lírico das letras.

3. Marina Lima. O Chamado (1993)

Okay, a Marina já era conhecida velha de guerra - meu pai sempre levava no porta-luva umas K7 dela. Mas foi só quando vi essa capa que decidi ouvi-la por opção. A faixa-título sustenta o disco juntamente com Pessoa, um cover do Dalto. Essa última de tão linda doi.

4. The Fall. Bend Sinister (1986)

Esse foi meu tiro mais certeiro. Diferentemente dos outros quatro, comprei não por achar a capa bonita, mas por supor que seria um bom disco post-punk. Sem querer, descobri um dos meus discos de rock preferidos. A parte lamentável é que, tendo visto dois deles juntos na prateleira, eu achei válido presentear uma garota com ele. Quando eu voltei ao mesmo sebo, cadê meu Bend Sinister, Jesus Cristo?

5. Fleetwood Mac. Bare Trees (1972)

O grupo eu pouco conhecia e não me chamara a atenção até eu ver as árvores peladas e a sincera e profunda desolação de seu cenário.

Irene no Céu

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
lisemsa mel branoc!!!!11um1
E São Pedro bonachão:
emtra ireen vose na1 presisa perdi lisemsa!!!111q

Manuel Bandeira. Libertinagem, 1930.

25 outubro 2009

Você Me Sorriu

Você me sorriu
e eu não saberia
se foi porque lhe sou caro
ou se foi um mero, involuntário
dispêndio de simpatia.

Você me sorriu
sem tecer nenhum prefácio,
sem seguir nenhum crescendo,
sem me dar um final fácil.

Você me sorriu
e eu desejei te ver hostil
a quem fosse que passasse;
que você me indicasse
que nunca sorria à toa;
que sorriso não haveria
se houvesse ali outra pessoa.

Você me sorriu
e eu nada pude entrever.
Você me sorriu
e eu só quero saber por quê.

23 outubro 2009

Eu Vivo Sempre no Mundo da Lua

Nessa segunda-feira, eu não acordei - como me é típico nas segundas-feiras - e fui à aula. Meus conhecimentos de Álgebra Linear seriam postos à prova no primeiro horário, às 7:30 horas. Estranhei que o ônibus das 7:10 horas da linha do campus estivesse quase vazio, mas aproveitei o conforto acústico que só o interior dum automóvel desses nos oferece para examinar a matéria da prova.

Enquanto eu me aproximava da sala ao longo do corredor, estranhei novamente que, às 7:28 horas, toda a turma já estivesse resolvendo a prova linda e absolutamente. Quando eu me acomodo numa das carteiras, para reforçar meu estranhamento, o professor se aproxima e, como quem segreda, me pergunta se eu ainda quereria resolver a prova. Sem nada entender, eu lhe digo que sim e questiono o sentido de sua pergunta. E só aí fico sabendo que eu estava atrasado em uma hora. A quem interessar, eu resolvi 95% das questões nos 50 minutos remanescentes e apesar de ter me orgulhado disso, estive mais preocupado com minha lunaticidade...

O horário de verão chegara e ninguém me avisou.

22 setembro 2009

Dumbledore

Dumbledore já foi vivo.

Já foi vivo e jovem. Já teve cor no cabelo e suíças socadas para fora. Já teve, até, uma carreira musical há umas décadas.

Descobri um álbum esquecido aí na internet. É o tipo de música de cuja audição saímos sempre ilesos, o que não quer dizer que seja ruim. Há um hit do qual nunca ouvira falar até então, MacArthur Park, que tem uma letra estranhíssima e foi regravada por um monte de bacana. Mas quem é que me explica os seguintes versos?

Someone left the cake out in the rain
I don't think that I can take it
'Cause it took so long to bake it
And I'll never have that recipe again

A Tramp Shining (1968), de Richard Harris.

01 setembro 2009

A Deitar Tijolos

Boa parte dos recém-conhecidos jovens manifestam estranhamento - quando não reprovação - ao saber do curso (superior) pelo qual eu levanto cedo, atravesso madrugadas e os restantes. Não os culpo por reagirem à óbvia discrepância entre o tal curso e minha figura. Acho até justo; eu mesmo já iniciei uma faculdade legal. E como legal, entendem-se cursos que possibilitem o exercício de uma atividade minimamente artística ou que se tratem de uma ciência pura (desses que te condenarão à licenciatura ou ao desemprego).

Mas aí eu me lembro que, hoje (nesses tempos) e aqui (sob esses céus), a universidade não é senão um curso profissionalizante, e não mais uma instituição do saber. E então, eu relevo.

24 agosto 2009

Slasher

Sempre haverá alguém pra colocar uma manta nas costas da moça casta e lhe oferecer uma caneca de chá depois que o assassino em série é (tido como) morto na madrugada dentro de seu próprio sobrado, então sitiado pela polícia local.

Mesmo agora não tendo em mente nenhum título em específico, na minha cabeça o final é sempre esse. E só estou falando isso porque vi uma lista com clichés do gênero e esse quadro não foi mencionado.

21 agosto 2009

Milkybar

O mais aborrecido do hábito de fazer as necessidades (comer, a priori) nos Restaurantes Universitários - refiro-me só àqueles que também são apelidados pelo acrônimo, R.U. - é a coletivização do espaço. Poderia mencionar as lufadas mornas de almoço que a cozinha exala, as filas ou a ambientação. Mas não é o caso. E também não é o da higiene - mesmo porque confio mais em suas cautelas asséptico-sanitárias do que nas dos outros restaurantes dos quais os arredores de uma universidade dispõem.

O que é mais intragável que o bife de adamantium é a possibilidade de pessoas (pessoas quaisquer; pessoas) se sentarem ao seu lado. Aí você tem de aproximar seus pertences. Aí você tem de limitar seus cotovelos. Aí você está aproximado a um ou mais estranhos não só pelo espaço, mas também pela dissaborosa cumplicidade de que você e o outro não estariam lá se aceitassem gastar com o almoço mais do que se gastaria com um Milkybar.

Tudo isso seriam veleidades, apenas, se os próximos não sobrecarregassem suas bocas com a atribuição de falar. Não sei como o mundo molesta os sentidos de vocês, leitores, mas meu estado de espírito ainda não se emancipou das condições auditivas.

Minha filosofia de vida é centrada na crença da aleatoriedade de acontecimentos, também dita acaso. Mesmo assim, não consigo deixar de pensar que sou vítima de uma deliberação maligna e misteriosa quando as conversas mais irritantes postam sempre suas bandejas ao meu redor.
Detectada minha irritação, pude empilhar traços dos sujeitos escolhidos pelo Departamento de Deterioração de Almoço (DDA) do Instituto Cósmico de Irritação de André Kangussu (ICIAK), uma fundação não lucrativa, mantida apenas pela sede de crueldade e de diversões sujas do acaso.

Vou chamar de Cronos o sujeito de perfil genérico que trabalha pro DDA e me acompanha nas refeições. São todos Cronos; assim, Cronos conversa com um ou mais Cronos. Vamos às características: Cronos está sempre insatisfeito com o preço das fotocópias. Cronos pretende mestrar-se em outra universidade paranaense. Cronos é abundante ao falar mal de seus professores. Cronos argumenta sobre a sexualidade do colega de classe. Cronos fala sobre os relacionamentos antigos com comida nos dentes. Cronos é supereclético, gosta de qualquer tipo de música.

Não estou lhes apresentando o sujeito com mágoa - é o trabalho dele, o Cronos -, trata-se apenas de meu espanto quanto à insistência das coisas em se repetirem.




26 julho 2009

A Tirania dos Contemporâneos

O violoncelo investia contra o piano
O piano cantava uma paisagem meso-européia.
A paisagem, um dia,
visitou a retina
dos olhos de um compositor que eu desconheço.

E eu estava no fogo-cruzado entre essa
e as canções-colagens marginalizadas,
executadas por um passageiro,
que cantavam o triunfo dos sons digitais.

A retina jamais cheirara gasolina.
E seu finado portador nada poderia
contra a música comprimida.

Nem mesmo recorrer ao homem de terno,
cheio de boa vontade e inocência,
que um dia,
dentro de um gabinete da prefeitura,
decidiu que nos ônibus da cidade se tocaria música erudita.

24 julho 2009

Feito um Pacote Flácido

A noite está silenciosa e enquanto eu a perco na internet, ouço um som abafado e distante de algum apartamento superior. No ato, consulto o relógio de rodapé para apurar o depoimento que eu fantasio a dar na manhã seguinte quando um tira bater à minha porta para saber mais sobre a mulher que foi encontrada enrolada em plástico em um córrego regional.

25 junho 2009

Estupidez Interior

Hoje é dia de abraçar a estupidez interior. Vou me permitir publicar uma tragédia que escrevi com um amigo, Derick Pereira, durante uma aula na sétima série.

Dioleno, a história com um final nada bueno

Essa é a história do Dioleno,
um cara muito nanico.
E por ser muito pequeno,
vivia pagando mico.

Um dia ele se apaixonou
Foi amor à primeira vista
Foi da Sérgia que gostou
Quando a viu numa revista

Na foto estava de sapa
Não era nenhuma artista
Só apareceu na capa
Porque estava na praia nudista

Eles se conheceram pessoalmente
Dioleno era tão nanico
que não alcançava a patente
Só usava o pinico

Sérgia não gostou nada disso
AchouDioleno nanico e bobão
Com Zé arrumou compromisso
E Dioleno não aguentou tal humilhação

Dioleno ficou de porre
Atrás de Sérgia, faca na mão
"Agora você morre",
disse Dioleno com Sérgia no chão.

18 junho 2009

Nós, ordinários

A gramática que eu uso hoje, uma edição de 2001 do Paschoal, pertencera a meu irmão até a época em que eu a adotei, durante o ensino médio. Hoje à tarde, enquanto uma dúvida me tinha a incomodá-la, deparei-me com um trecho que meu irmão destacara que achei impactante. Na hora até gargalhei, mas não culpo quem achar banal. Trata-se de um tópico que menciona e explana as qualidades da boa linguagem e o item em questão é o sétimo, a nobreza.

Nobreza. Essa virtude manterá o escritor à distância dos plebeísmos que aviltam a linguagem e dos termos chulos e torpes que a enxovalham. Os que, em nome de um pretenso realismo, semeiam os seus escritos de obscenidades e se detêm na descrição de cenas lúbricas, não fazem senão prostituir a arte literária e atentar contra a nobreza e a dignidade da palavra humana. A arte não dispensa o véu do pudor e do decoro.

Não estou tomando partido na opinião puritana, mas que defesa fina e enérgica! Não lhes parece obra de um supervilão? Que embriaguez de elegância! Escritos desse estilo sempre fazem eu escolher algumas expressões e pensar onde poderia adotá-las cotidianamente.

16 junho 2009

Leste Europeu

Montes Cárpatos, Vlad, o Empalador, comerciais de frango, Danúbio, Nicolae Ceausescu, O Albergue, O Albergue: Parte II, Drácula, Laibach, Gloomy Sunday (vulga "canção húngara do suicídio), o silêncio, as sombras da União Soviética, as guerras por independência, os tiranos, as grafias eslavas, os vampiros segundo Anne Rice...

Afinal, se são essas minhas referências, quem pode me culpar por achar tenebroso aquele miolo do Leste Europeu?

15 junho 2009

Sua inveja faz minha fama!

(Será que é por isso que eu ainda sou um anônimo?)

Há algum tempo eu venho refletindo sobre essa questão da inveja. Se alguém digitar a palavra 'inveja' no campo de pesquisa de comunidades do orkut, verá dezenas delas com centenas de millhares - e até milhões - de membros que se sentem invejados.

Andando pelo mundo, eu vejo tags muito mais plausíveis de serem assuntos que toquem as massas, como amor, ódio, sexo, chuck norris. Mas para minha surpresa, a inveja é insuperável.
Particularmente, acho que entrar em uma dessas comunidades já é o bastante para uma pessoa me parecer de todo desinvejável. Acho meio triste essa ostentação vaidosa de auto-confiança.

Os invejosos seriam o criminoso, o doador, o Yin, o parafuso. Os invejados seriam a vítima, o receptor, o Yang, a porca. Eu entendo que essas essas relações dicotômicas são uma forma pela qual as coisas acontecem. Mas apesar de entender e aceitar que ela exista numa boa, não consigo descubrir é onde diabos as pessoas conseguem enxergar tanta inveja no mundo. Será que lhes seria uma overdose de realidade crer que eles não são especiais?

Eu, por exemplo, não sinto que dou motivo para que me invejem. E sei que quando sinto inveja de alguém, é, na verdade, por sentir uma grande admiração. É por reconhecer no outro uma habilidade ou virtude que eu almejo. E ainda quando a admiração se me afigura mascarada de inveja, eu tento escondê-la.

Sim, eu tento escondê-la, o que me impediria de divulgar as misérias do invejado. Ou seja, eu não estaria contribuindo para sua fama e ainda acho que muitas pessoas também (não) o fazem.

Enfim, por não reconhecer o funcionamento dessa fama às avessas que eles obtêm, só me resta rir e parodiar o jargão seboso que titula este post.

03 junho 2009

O Dia-a-dia de um Faringítico: Parte II

Antes de dormir na noite anterior, eu me prometi que se ainda me sentisse mal, compraria o tal antibiótico que um amigo desqualificado (para receitar) me recomendou. Além disso, não descartava uma medida mais atrevida, como consultar um médico. Risos.

O fato é que hoje, no que seria o quarto dia de miséria, eu estou muito melhor, ainda que ainda me recuperando.

Sobre essas coisas que se sentem, como a dor de uma enfermidade, eu penso que só no momento em que as sentimos é que elas nos interessam o suficiente para podermos escever a respeito. Se eu deixasse a saga de ontem para ser escrita hoje, ela provavelmente não seria senão uma concepção. Depois que acaba, a gente pensa que nunca existiu, já disse o poeta.

02 junho 2009

O Dia-a-dia de um Faringítico

Se eu fosse reformular o post intitulado "lição toon" desse meu blog, frisaria que bebida alcoólica e gelada, narguille, cigarros, madrugadas brumosas, tocar o violão e cantar os pulmões são todas coisas divertidas, mas que desconhecem as regras de respeito mútuo.

Ou seja, acordar lixo (aqui, adjetivando o substantivo) no dia seguinte pode não ter sido menos que compreensível. E quando disse lixo, deveria mencionar febre, dor de cabeça, obstrusões nasais e - a estrela do post - faringite.

As outras dores a gente carrega, mas essa, que subestima nossa voz e que faz de nossos grandes momentos de prazer - comer - um sacrifício, é execrável. Essa é a moléstia onde o deglutir nos assemelha à sensação de ter um pilão socando seu palato mole. Essa é a via crucis oral.

Na ânsia por melhoras, questionei as pessoas mais próximas, que me sugeriram (1) gargarejo com limão, vinagre e sal, (2) spray de gengibre, mel e própolis e (3) mel e limão. As sugestões enumeradas foram todas adotadas.

Depois de24 horas após acordar derrotado, fui à fármacia - só com o focinho e os olhos à mostra - e comprei (4) uma dipirona sódica em gotas, (5) um spray para dor de garganta que tem um sexto da composição como anestesiante e (6) um genérico duma versão em comprimidos do saudoso e nostálgico Cataflan, o antiinflamatório da moçada!

Sendo oito horas o período desta (última) dose, depois da segunda, resolvi que repousaria pelo tempo de quanto eu dispusesse. Contente por endossar meu ócio, logo retomei o acompanhamento que eu abandonara há um ano e meio de Lost - sem medo de ser feliz! Mas também obedeci à sorte que, naquele dia, o Orkut me empurrara: comecei a ler um livro. Valendo-se de um período de baixa de minha dor-de-cabeça intermitente, à meia-luz, abri O Castelo de Otranto de uma edição escrotíssima que o faz parecer literatura infanto-juvenil. Não pulei a mini-biografia do autor nem seus dois prefácios, mas a narrativa era muito cerrada e concisa para um convalescente. Então, quando um elmo gigantesco esmagou do nada - do nada absoluto - o filho do príncipe no dia de seu próprio casamento, não soube se se tratava de delírio meu e optei por apagar a luz e dormir.

Na noite seguinte, quando a enfermidade já teria desembolado umas 60 horas de meu novelo de tempo, recorri ao Google. Consultei várias tabelas que traçavam distinções entre a faringite viral e a bacteriana. Apesar de inconclusivo (deu empate), lucrei sugestões úteis de como fazer tolerável a vida de um faringítico. (7) O gargarejo com água morna e sal , por exemplo, suspende brevemente a dor. A outra dica foi a de uma dieta líquida, o que me levou de olhos nus - e só os olhos - ao supermercado, onde comprei chá, sopa, suco pronto pra beber, frutas e outras boiolagens com quais, saudável, nunca gasto um centavo. Dei, por fim, suspensão a meu belo jargão: "Eu engulo qualquer coisa".

Agora estou aqui, sentado ao balcão de uma cozinha, a narrar-lhes bagatelas. Sim, estou melhor que há dois dias. Continuarei exercendo os sete métodos citados e volto a escrever quando alguma ocasião me pedir para ser notificada.

14 maio 2009

Você faz coleção de alguma coisa?

É, perante essa pergunta eu também sempre hesitava entre negar e procurar uma resposta sem-graça. Atualmente, entre as respostas sem-graças que me cabem há os canhotos de tíquetes de cinema e comprovantes de pagamento de multa de atraso da biblioteca.

Há, porém, essa coleção que eu levei a me dar conta de que fazia. Ela começou há três anos, no ensino médio, quando me disseram que toda paroxítona terminada em i é acentuada. Oras, e há algum exemplo de paroxítona terminada em i, perguntei. Respondendo a essa pergunta, a professora me presenteou com a primeira peça de minha nova coleção: táxi. Desde então, eu sempre memorizei as paroxítonas terminadas em i que apareceram em minha vida, sem que, contudo, eu fosse atrás de nenhuma delas - pra agregar espontaneidade. Vale lembrar que eu ignoro expressões (fíndi), nomes próprios (Báli) e as terminadas em is (tênis, lápis).

Enfim, vou exibi-las ao mundo:

táxi, júri, biquíni, cáqui, ravióli, rúgbi, safári, dândi e beribéri

Nossa, mas só nove em três anos? Sim, e, a quem interessar, eu quero descobri-las sozinho.
Do mais, ocorreu-me de compor uma frase com todas, mas desisti pensando que nenhum período é tão grande tal que dândi e biquíni coexistam.

13 maio 2009

Clube da Esquina

Quando aprendia a tocar violão, minha mãe me desempoeirou uma pasta em que havia, entre outras coisas, várias daquelas revistinhas de cifra. Tão cedo quanto já mudava as posições da mão esquerda satisfatoriamente, vi aquela cifra com os acordes tão-ditos dissonantes, que me assemelhavam monstruosos, e passei a desejar ardentemente, um dia, desenvolver uma levada (agora, da mão direita) adequada ao andamento arrastado da canção.

Hoje essa ambição me parece banal e eu não tenho paciência pra decorar a sequência de acordes.

Que eu não me esqueça, porém, de mencionar o motivo que me levou a escrever: num desses vai-e-vens a esse ingrato mundo das cifras de internet, deparei-me não só com um absurdo da automatização, mas também com a constatação de que a falange de meu dedo mindinho não é de borracha.

Voilà
:

Alguém aí se habilita a montar o Cm7/9/G?

21 fevereiro 2009

lição toon

esse post só quer provar que eu sei tirar lições de experiências triviais. e minha recente cisão com a vida provinciana ensinou-me que:
a) não importa o quão suntuoso se é, a escassez de dinheiro, ainda que passageira, pode degenerar até os trejeitos.
b) bolsas de iniciação científica têm ojeriza a mim.
c) sobretudos idem.
d) curitibanos não são o que dizem.

e) se depender do apoio deles, porém, em âmbito acadêmico, eu ainda serei tentado muitas outras vezes a jogar meu histórico no triturador e ir fritar hambúrgueres.
f) a chave de fenda não te livrará de teus traumas e culpas, mas ela é muito competente no que se propõe a fazer! sê-lhe gentil.


caminhando pelo mundo, vais aprender o que não querias.

ps.: passarei a aplicar a segunda do singular para o interlocutor.
ps. II: uma dessas alternativas não é verdadeira.

07 janeiro 2009

conversa

esgotistaa......http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=10730331
tem gente que tira liçoes de vida de cada lugar, neh?

hahaha, é mesmo

agora tive vontade fazer um texto chamado "cinco coisas que eu aprendi com o descascador de batatas"

ahahhahahahha
"qualidade 1: Quanto mais delicadeza e firmeza tivermos, menos profundamente machucaremos a batata, e mais bonita ela ficará"

qualidade 2: se você descascar as batatas com muita força, vai acabar perdendo muita batata na casca e não vai sobrar muita coisa. o mesmo acontece em nossas vidas: temos de dosar as nossas forças para mantermos nossa integridade.
(?)

qualidade 3: Temos que retirar as cascas do descascador para que ele funcione bem e sempre deixe as batatas bonitas.Assim com na vida, temos que resolver as cascas do ressentimento e seguir em frente.

qualidade 4: o descascador de batatas, apesar de levar tal nome, também pode descascar cenouras e maçãs. nunca permite que alguém te rotule e limite suas atribuições porque você pode ser capaz de coisas que ninguém imaginaria!

HUAUHAAUHHUAHUAUHHUAUHAUHAUHAHUAUH
qualidade 5: Sejamos mais como o descascador de batatas, que é muito eficiente no que faz, mas jamais seria capas de machucar um ser humano.

pronto. se criássemos uma comunidade pra esse texto, será que entrariam 80 e tantos mil membros?


ahhahahaha será?? se colocassemos uma foto bonita de um descascador, talvez...um descascador e um por do sol ao fundo,quem sabe..

hahaha. adorei imaginar um descascador em um pôr-do-sol!
ah. e não nos esqueçamos da rubrica de algum superestimado, por exemplo: [exemplos de superestimados suprimidos]

"Às margens do rio Pietra, sentei e descasquei uma batata"



01 janeiro 2009

épico de esquinas

as costas impunes,
que sem reclamar,
aceitam levar
asfalto e pedaços
de carro em amassos

e lá, na esquina
da avenida olinda,
subi a rua farroupilha
depois de largar à guia
o peso do dolo
de um crime culposo