15 dezembro 2009

Um Gosto de Sol

(Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)

(...)
Alguém sorriu de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou o riso que eu tinha
E esqueci entre os dentes
Como uma pêra se esquece
Sonhando uma fruteira


Na letra original, esse último verso é "Sonhando numa fruteira". Mas eu achei essa mudança fundamental. Nessa minha versão, a pêra está fora da fruteira, apartada de seu lar. O poeta também está em um ambiente estranho e o conforto de um sorriso qualquer lhe faz lembrar o conforto de estar em casa.

Eu sei, estou sendo atrevido. Palavra nenhuma deveria fazer frente com versos assim.


Okay, talvez isso também não seja uma fruteira. Mas se fosse uma daquelas fruteiras de metal com três andares de gavetinhas e rodinhas, a pera não sentiria saudade alguma, aposto.

11 dezembro 2009

Os Dez Discos de Rock da Década

Eu sou vivo, estou no mundo e não sou surdo. Isso já me parece o bastante para eu enumerar meus discos preferidos. As listas estão em todo lugar e eu, também sendo filho de Deus, resolvi fazer a minha.

Sei que se tivesse acompanhado mais de perto - ao invés de estar sempre mais interessado em música velha -, essa lista seria diferente em uns três ou quatro nomes. Por isso, trata-se do que eu melhor pude digerir contemporaneamente.

A ordem pode ser considerada, mas sem muito rigor. Aí vão os dez discos de rock lançados entre 2000 e 2009 dos quais mais gostei.

10. Mogwai. Mr Beast
9. Cat Power. You Are Free
8. Arcade Fire. Neon Bible
7. Coldplay. Parachutes
6. M83. Saturdays = Youth
5. PJ Harvey. Stories from the City, Stories from the Sea
4. Silverchair. Diorama
3. Radiohead. Kid A
2. Queens of the Stone Age. Songs for the Deaf
1. Wilco. Yankee Hotel Foxtrot

Ps.: Eu comecei a escrever sobre cada um e desisti quando cheguei no Coldplay. Não conheço dez maneiras diferentes de dizer que "eu gosto porque é bonito". Também achei que seria tedioso comentar sobre os aspectos técnicos dos discos. Poderia, ainda, contar algo bonito sobre como os conheci e como me apaixonei, mas sete deles eu apenas baixei na Internet, dentro de uma sala iluminada com uma lâmpada fosforescente e coberta com piso de cerâmica.

07 dezembro 2009

Reflexão sobre o Sonho

Durante um sonho, eu já presenciei um momento de surpresa. É como você sentir a presença de uma entidade invisível e quando olha atrás da porta, surpreende-se em encontrar uma outra coisa.

Eu não entendo. Mas vou esmiuçar a encrenca em que me envolvi.

A primeira hipótese é que, enquanto um sonho se desenrola, ele não recebe influências do meio externo. Se isso for correto, eu jamais poderia, durante um sono, sonhar um garfo se ao longo de toda minha vida anterior a esse sono eu nunca tivesse tido contato com a ideia de um garfo. Dessa forma, sonhar seria como partir a uma viagem com uma mala lacrada, contendo nela todas suas experiências de vida.

A segunda hipótese é que o sonhador, o "eu" do sonho, é detentor do mesmo intelecto que a entidade que produz o ambiente do sonho. Ou seja, o viajante e tudo que está dentro da mala são, na verdade, posições diferentes assumidas por um mesmo intelecto. Se assim for, o sonhador é, ao mesmo tempo, personagem e roteirista. Isso explicaria, por exemplo, por que eu posso sonhar com o diabo sem que ele se me afigure. O roteirista escreve "diabo" e, não tendo o roteirista mais informações que o personagem - pois eles são o mesmo -, o personagem sente "diabo", sem que a figura demoníaca necessariamente se lhe afigure aos olhos.

Para muitos, a primeira hipótese talvez seja precipitada. Afinal ela impossibilitaria casos de premonições. Mas eu a assumiria por não acreditar nesses casos que as pessoas e a ficção contam.

A autenticidade da primeira hipótese depende de minha crença - admito -, mas a da segunda pode ser confirmada pelos sonhos lúcidos, nos quais você manipula o que acontecerá no ambiente.

Se eu assumo essas duas, fico sem a seguinte resposta: como explicar o fato do personagem viver um detalhe que faltou ao roteirista e ainda sentir-se surpreso com isso?